sábado, 18 de agosto de 2012


JESUS CRISTO E A LITERATURA, SEGUNDO OSCAR WILDE.

Por: Belinha (autora do blog)

Ler um romance não exige um grande volume de conhecimentos e dotes intelectuais, mas reclama uma forma especial de receptividade, que é a capacidade de entrega, de envolvimento, assombro, maravilhamento. Oscar Wilde, em De profundis e Balada do Cárcere de Reading, via em Jesus Cristo, menos a figura religiosa da teologia e do Cristianismo, e muito mais o ser sensível capaz de tocar as pessoas em cada gesto ou palavra que produzia; por isso não teve dúvidas em afirmar que Cristo “se localiza ao lado dos poetas”. Para ele, “Mais do que qualquer outra pessoa na história, ele desperta em nós aquela capacidade de nos maravilhar para a qual o romance sempre recorre”.  Sófocles e Shelley seriam companheiros de Cristo. E a vida de Jesus, em seu dizer, “o mais maravilhoso poema”. Isso porque, segundo ele, nem a tragédia grega, com seu espetáculo de piedade e terror, alcançou mais dramaticidade que a vida de Cristo. Da mesma forma, na arte romântica, nunca se viu um personagem com tamanha pureza e elevação.  Avalia que no palco da vida do messias, sua Paixão desperta a “simpatia do pathos”, que nem mesmo Dante, Shakespeare ou Ésquilo, nem o conjunto de lendas e mitos celtas conseguiram concorrer. Na vida do messias judeu, dor e beleza fundiram-se em só um elemento.  Ele é o amante que amou em excesso e fez da submissão e da agonia uma inusitada declaração de amor.
Como o poeta procura o inatingível da expressão, Cristo buscava um bem difícil de alcançar: a alma do homem, essa criatura tão volúvel. O poeta, embora de forma diversa, visa a alma humana também, e Cristo foi um poeta que desempenhou seus versos na própria carne. Não foi visualmente idílica e bela sua manifestação de afeto: foi contundente, sangrenta, arrebatadora. Mas não é isso que se espera da arte? Que provoque, enlace, choque, provoque derramamento?
Concordo com Wilde lembrando uma frase do mestre: “Vende tudo que tens e dá-os aos pobres”. Ora, não é mais ou menos isso que acontece na relação leitor-autor?  O leitor precisa sair de si, para aceitar o pacto de leitura e “viver” momentaneamente cada palavra lida. O autor concebe a obra nas mesmas condições: despe-se do caráter descartável da cultura adquirida, para fazer emergir seu fluxo criativo.

Jesus prescrevia que o homem deveria ampliar as fronteiras de sua individualidade, passando a se importar com o próximo. Wilde explica: “Ele deu ao homem uma personalidade ampla, titânica. Desde tua vinda, a história de cada indivíduo é, ou pode tornar-se, a história do mundo”.  Ora, não existe arte sem pluralidade, sem colocar-se no lugar do outro. Para Wilde, “ a arte fez de nós espíritos miríades”.  

Um artista precisa de muita imaginação. Cristo era um visionário de imaginação sem limites: não via distinção entre pessoas, classe e sexo. Para Oscar Wilde, ele via o ser humano da mesma forma que o panteísta vê Deus.
“Ele foi o primeiro a conceber as raças divididas como uma unidade. Antes do seu tempo, tinha havido deuses e homens. Só ele entendeu, que nas montanhas da vida, só havia Deus e Homem (...)”, ressalta Wilde.

Cristo mudou a relação humana com a divindade. Quebrou a distância dessa relação e lutou contra os preconceitos religiosos de sua época. Comparo isso à postura iconoclasta do artista. Romper as tradições literárias significa, de início, ser incompreendido pelo público, pela crítica e carregar por anos um legado com falsos estereótipos. Cristo fez rupturas de pensamentos e também foi incompreendido por isso. Os judeus esperavam a vinda de um Rei beligerante e altaneiro e se defrontaram com alguém que dizia coisas singelas, como, “olhai os lírios dos campos”. Aliás, não conheço frase mais poética do que essa. Como poeta, Cristo manifestava  sua forte ligação com a natureza, ao mesmo tempo em que afastava de si o dogmatismo farisaico, pois em vez de prescrever áridos roteiros de orações e jejuns aos seguidores, ensinava outro caminho para alcançar a plenitude e o desprendimento: “Olhai os lírios dos campos”.
A psicologia de Cristo é a de um poeta. Ele não queria mudar politicamente o mundo de sua época. Aquele não era o momento. Aceitava o governo dos homens. A literatura, como se sabe, também não toma o espaço das leis, não muda a realidade. Ela se constitui uma forma de responder à sede de entendimento da alma humana e de contemplação do belo. Mas dificilmente muda as estruturas da realidade imediata.

Assim como o artista sonha com a perfeição de sua obra, Cristo sonhava com um mundo e uma humanidade sem imperfeições. Como um artista cego pela maestria de sua criação, estava disposto a alcançar isso mesmo que precisasse oferecer a si mesmo como o sacrifício.
As aproximações de Cristo com o pensamento artístico ou literário não se esgotam por aqui. Cristo não veio como um repressor de condutas, mas um como amante apaixonado capaz de extremos por sua noiva. Foi rejeitado por ela, assim como um eu poético rejeitado pela amada. Sofreu por um amor não correspondido, como um poeta chora em versos por ser desprezado pelo amor de sua vida.  Até sua solidão monumental no Gólgota atesta a postura poética de seu drama.

A verdadeira poesia não escapa de retratar paradoxos, pois a vida humana é repleta de contrastes. A personalidade de Cristo também revela dualismos, pois é um misto de doçura e agressividade.  O mesmo Jesus que pegou ao colo criancinhas, expulsou e chicoteou os vendilhões do templo.
O Filho do Homem não falava para agradar as autoridades, nem mesmo para conquistar amigos. Na vida artística, tentar agradar a gregos e troianos significa abrir mão da autenticidade da obra. As comparações estendem-se à farta. Não é à toa que Oscar Wilde enuncia:

“Vejo uma vinculação bem mais íntima e próxima entre a verdadeira vida de Cristo e a verdadeira vida do artista”. Sim, Wilde, Cristo participou da natureza humana e, da mesma forma, a natureza humana também participa a natureza divina. O homem, com sua natureza tão dividida entre o divino e o animal, ornamenta-se de beleza quando desperta para o há que de sensível dentro de em si, ou segundo os religiosos, quando “conhece a Cristo”.

  
Autoria do texto: Belinha.