domingo, 27 de março de 2011


GREGÓRIO DE MATOS _ NOSSO PRIMEIRO POETA MALDITO

O poeta baiano Gregório de Matos Guerra teve uma vida tão inquietante quanto sua poética. Filho de senhor de engenho, estudou no Colégio dos Jesuítas, em Salvador e, se formou em Direito na Universidade de Coimbra, em Portugal. Lá, ele se casou, mas ficou viúvo após quatro anos de casamento. Desempenhava a função de juiz, quando foi nomeado para Desembargador da Relação Eclesiástica da Bahia, um cargo burocrático da época. Gregório então retornou ao Brasil depois de 32 anos em Portugal. Mas não durou muito no cargo, ele se recusava a seguir as normas da Ordem, inclusive, não aceitava usar batina. A partir daí teria começado sua fama de poeta satírico. Como meio de vida passou a advogar, mas escolhia as causas que lhe pareciam justas e isso o levava a ter como pagamento sapatos ou galinhas.
            Casou-se com Maria de Póvoas (ou dos Povos), sem conseguir compor uma prole com ela: seu filho Gonzalo, morreu precocemente, a exemplo do filho que tivera com Michaela, sua primeira esposa. Para Maria dos Povos ele compôs belos sonetos, isso não o impediu, contudo, de levar fama de mulherengo, numa suposta vida de boêmia e pândegas.
            A decadência de Gregório veio em 1685, quando foi denunciado para o Tribunal do Santo Ofício. A acusação? “ homem solto sem modo de cristão”. Gregório conseguiu livrar-se da demanda, mas seus poemas satíricos contra o governador da Bahia, Luís Câmara Coutinho, trouxeram-lhe muitas complicações. Ameaçado de morte pelos filhos do governador, seus amigos influentes arranjaram-lhe um exílio forçado em Angola, na tentativa de poupá-lo da morte.
            Na África, ele ajudou na prisão de líderes de uma revolta contra a Coroa. Graças a isso, foi-lhe concedido o direito de voltar ao Brasil, porém sob a condição de jamais botar os pés na terra natal, a Bahia. Em decorrência, ele foi para Recife, onde faleceu aos 59 anos de uma febre amarela contraída em Angola.
            Seu apelido “Boca do Inferno”, revela seu espírito inquieto e rebelde. Através de sua “lira maledicente”, ele denunciava toda sorte de abusos e de hipocrisia da sociedade brasileira do século XVII.
            Sua produção divide-se em lírica, filosófica e sacra. Luiz de Camões e o espanhol Luís de Gongora foram suas maiores influências na lírica. Nela, a mulher é vista sob dois enfoques: ora como um angelical e encantador; ora como a tentadora do homem, a corruptora.
            No tocante à poesia filosófica, o poeta fala sobre a condição mortal do ser humano e o perecível das coisas. Fica evidente a influência do pensamento da Contra-Reforma em seus poemas.
            Na parte sacra ou religiosa, o eu-lírico apresenta-se desejoso de gozar os deleites deste mundo, mas receoso de perder a salvação. Gregório usa sua argumentação lógica de advogado, para convencer a Deus a perdoá-lo de seus pecados não por ele está arrependido, mas porque pecar seria uma forma de garantir a Deus  uma oportunidade de exibir sua graça e misericórdia. Já em outros poemas, o eu-lírico mostra-se arrependidíssimo, dirigindo suas súplicas a uma  imagem de Jesus Cristo crucificado.
            Já os poemas satíricos de Gregório são revestidos de humor, ironia e crítica desbocada, daí a razão de seu apelido “Boca do inferno”. E Gregório defende sua sátira: “Se souberas falar, também falaras/ Também satirizaras, se souberas,/ E se fora poeta, poetizaras”. Aos políticos, ele ressalta a corrupção ativa e passiva, ao clero, a devassidão, aos militares, o abuso de autoridade, aos portugueses condenou a ganância, aos filhos de fazendeiros, a mania de querer ser nobre e por aí vai. “Canalha infernal” era o termo que ele usava para toda essa gente que habitava a Bahia, a capital do Brasil na época. Nem de longe Gregório fazia poemas para agradar ou bajular alguém. O conde da Ericeia, D. Luís de Meneses, encomendou para si um poema de louvação. Gregório fez o poema, mas sem homenageá-lo:

Um soneto começo em vosso gabo,
Contemos esta regra por primeira;
Já lá vão duas e esta é a terceira,
Já este quartetinho está no cabo.

Na quinta troce agora a porca o rabo,
A sexta vá também desta maneira;
Na sétima entro já com grã canseira,
E saio dos quartetos muito brabo.

Agora nos tercetos que direi?
Direi que vós, Senhor, a mim me honrais,
Gabando-vos a vós, e eu fico um rei.

Nesta vida um soneto já ditei,
Se desta agora escapo, nunca mais;
Louvado seja Deus, que o acabei.

Até hoje os pesquisadores da obra desse admirável poeta tentam reunir seus textos, pois ele não publicou nada em vida, deixando seus poemas em dezenas de códices (cadernos antigos costurados à mão) espalhados pelas bibliotecas de Portugal, Brasil e EUA. Essa é também a razão pela qual sua produção permaneceu inédita até meados do século XIX.

Veja a descrição física de Gregório de Matos feita por Manuel Pereira Rabelo:
Foi o doutor Gregório de Mattos de boa estatura, seco de corpo, membros delicados, poucos cabelos, e crespos, testa espaçosa, sobrancelhas arqueadas, olhos garços, nariz aguilenho, boca pequena, e engraçada: barba em demasia, claro, e no trato cortesão. Trajava comumente seu colete de pelica âmbar, volta de fina renda, e era finalmente um composto de perfeições, como poeta Português, que são Esopos os de outras nações.
Tinha fantesia (sic) natural no passeio, e quando algumas vezes por recreação surcava os quietos mares da Bahia a remo compasso com tão bizarra confiança, interpunha os óculos, examinando as janelas de sua cidade, que muitos curiosos iam de propósito a vê-lo. Trajava cabeleira, suposto naquele tempo era pouco versado.
Era o Doutor Gregório de Mattos acérrimo inimigo de toda a hipocrisia, virtude, que se pudera, devia moderar, atendendo aos costumes dos presentes séculos, em que o mais retirado Anacoreta se enfastia da verdade crua. Mas seguindo os ditames de sua natural impertinência habitava os extremos da verdade com escandalosa virtude.
QUESTÕES DE VESTIBULARES SOBRE A OBRA GREGORIANA

1. (UFRN)
A obra de Gregório de Matos — autor que se destaca na literatura barroca brasileira — compreende
a. poesia épico-amorosa e obras dramáticas.
b. poesia satírica e contos burlescos.
c. poesia lírica, de caráter religioso e amoroso, e poesia satírica.
d. poesia confessional e autos religiosos.
e. poesia lírica e teatro de costumes.
Resposta: c

2. PUCC-SP)
“Que falta nesta cidade? Verdade”.
Que mais por sua desonra? Honra.
Falta mais que se lhe ponha? Vergonha.
O demo a viver se exponha,
Por mais que a fama a exalta,
Numa cidade onde falta
Verdade, honra, vergonha."

Pode-se reconhecer nos versos acima, de Gregório de Matos,
a. o caráter de jogo verbal próprio do estilo barroco, a serviço de uma crítica, em tom de sátira, do perfil moral da cidade da Bahia.
b. o caráter de jogo verbal próprio da poesia religiosa do século XVI, sustentando piedosa lamentação pela falta de fé do gentio.
c. o estilo pedagógico da poesia neoclássica, por meio da qual o poeta se investe das funções de um autêntico moralizador.
d. o caráter de jogo verbal próprio do estilo barroco, a serviço da expressão lírica do arrependimento do poeta pecador.
e. o estilo pedagógico da poesia neoclássica, sustentando em tom lírico as reflexões do poeta sobre o perfil moral da cidade da Bahia.

RESP: a


3. (VUNESP)

      Ardor em firme coração nascido;
      pranto por belos olhos derramado;
      incêndio em mares de água disfarçado;
      rio de neve em fogo convertido:
      tu, que em um peito abrasas escondido;
      tu, que em um rosto corres desatado;
      quando fogo, em cristais aprisionado;
      quando crista, em chamas derretido.
      Se és fogo, como passas brandamente,
      se és fogo, como queimas com porfia?
      Mas ai, que andou Amor em ti prudente!
      Pois para temperar a tirania,
      como quis que aqui fosse a neve ardente,
      permitiu parecesse a chama fria.

O texto pertencente a Gregório de Matos e apresenta todas seguintes características:

a) Trocadilhos, predomínio de metonímias e de símiles, a dualidade temática da sensualidade e do refreamento, antíteses claras dispostas em ordem direta.

b) Sintaxe segundo a ordem lógica do Classicismo, a qual o autor buscava imitar, predomínio das metáforas e das antíteses, temática da fugacidade do tempo e da vida.

c) Dualidade temática da sensualidade e do refreamento, construção sintática por simétrica por simetrias sucessivas, predomínio figurativo das metáforas e pares antitéticos que tendem para o paradoxo.

d) Temática naturalista, assimetria total de construção, ordem direta predominando sobre a ordem inversa, imagens que prenunciam o Romantismo.

e) Verificação clássica, temática neoclássica, sintaxe preciosista evidente no uso das síntese, dos anacolutos e das alegorias, construção assimétrica.

RESP: C

4. (UEL) Identifique a afirmação que se refere a Gregório de Matos:

a) No seu esforço da criação a comédia brasileira, realiza um trabalho de crítica que encontra seguidores no Romantismo e mesmo no restante do século XIX.

b) Sua obra é uma síntese singular entre o passado e o presente: ainda tem os torneios verbais do Quinhentismo português, mas combina-os com a paixão das imagens pré-românticas.

c) Dos poetas arcádicos eminentes, foi sem dúvida o mais liberal, o que mais claramente manifestou as idéias da ilustração francesa.

d) Teve grande capacidade em fixar num lampejo os vícios, os ridículos, os desmandos do poder local, valendo-se para isso do engenho artificioso que caracteriza o estilo da época.

e) Sua famosa sátira à autoridade portuguesa na Minas do chamado ciclo do ouro é prova de que seus talento não se restringia ao lirismo amoroso.

RESP: D

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