sábado, 30 de março de 2013



DIÁLOGO MALUCO

(Caetano Veloso x Carlos Drummond de Andrade)

Texto: Belinha (Minha homenagem a essas duas feras da música e da literatura)

Caetano Veloso: Eu vou fazer uma canção pra ela, uma canção singela, brasileira.

Drummond: Não cantarei amores que não tenho.

Caetano Veloso: Eu vou fazer um iê-iê-iê romântico.

Drummond: Não serei o cantor de uma mulher, de uma história.

Caetano Veloso: Não me venha falar da malícia de toda mulher.

Drummond: Tenho apenas duas mãos e o sentimento do mundo.

Caetano: Uma loura tem que comer seu coração.

Drummond: Preparo uma canção em que minha mãe se reconheça.

Caetano:  Talvez eu seja o último romântico.

Drummond: Que pode uma criatura senão, entre criaturas amar?

Caetano Veloso: Eu vou fazer uma canção de amor.

Drummond: Amor é privilégio de maduros.

Caetano Veloso: Eu sigo apenas porque gosto de cantar.

Drummond: A canção absoluta não se escreve.

Caetano Veloso: Tudo é perigoso, tudo é divino e maravilhoso.

Drummond: Jamais ousei cantar algo de vida.

Caetano: Tolice é viver a vida assim sem aventura.

Drummond:  Sim, meu coração é muito pequeno.

Caetano: Quando você me ouvir cantar, venha não creia eu não corro perigo.

Drummond: Vontade de cantar. Mas tão absoluta que me calo, repleto.

Caetano: Precisa ter olhos firmes.

Drummond: Em verdade temos medo.

Caetano:  Navegar  é preciso, viver não é preciso.

Drummond: Refugiamo-nos no amor, este célebre sentimento.

Caetano: Uma tigresa de unhas negras e íris cor de mel, uma mulher, uma beleza que me aconteceu.

Drummond:  Amor, a descoberta de sentido no absurdo de existir.

Caetano: Ela comeu meu coração, trincou, mordeu, mastigou, engoliu.

Drummond: O amor profundo deixa raízes.

Caetano:  Quando eu chego em casa nada me consola.

Drummond: Viver é torturar-se, consumir-se.

Caetano: As garras da felina me marcaram o coração.

Drummond: inútil você resistir ou mesmo suicidar-se.

Caetano: E eu corri pra o violão num lamento e a manhã nasceu azul.

Drummond: Sossegue, o amor é isso que você está vendo.

Caetano:  Juro que não presto, eu sou muito louco.

Drummond: Os homens preferem duas.

Caetano: Eu nunca quis pouco, falo de quantidade e intensidade

Drummond: Entretanto você caminha melancólico e vertical.

Caetano: Mas eu também sei ser careta, de perto ninguém é normal.

Drummond: Todo ser humano é um estranho impar.

Caetano: Eu sou um leão de fogo.

Drummond: Teus ombros suportam o mundo.

Caetano: Por isso uma força me leva a cantar.

Drummond: Tu sabes como é grande o mundo.

Caetano:  Por isso é que eu canto, não posso parar.

Drummond: Então meu coração também pode crescer.

Caetano:  Não me amarra dinheiro não, mas formosura.

Drummond: Assim nos criam burgueses.

Caetano: Lágrimas encharcam minha cara.

Drummond: Como nos enganamos fugindo do amor!

Caetano: Ah, bruta flor do querer!

Drummond: Este é tempo de partido, tempo de homens partidos.

Caetano:  Existirmos –  a que será que se destina?

Drummond:  Vadiar, namorar, namorar, vadiar.

Caetano: Esse papo já ta qualquer coisa. Você já tá pra lá de marrakesh.

Drummond: Eta vida besta, meu Deus.

 

sábado, 18 de agosto de 2012


JESUS CRISTO E A LITERATURA, SEGUNDO OSCAR WILDE.

Por: Belinha (autora do blog)

Ler um romance não exige um grande volume de conhecimentos e dotes intelectuais, mas reclama uma forma especial de receptividade, que é a capacidade de entrega, de envolvimento, assombro, maravilhamento. Oscar Wilde, em De profundis e Balada do Cárcere de Reading, via em Jesus Cristo, menos a figura religiosa da teologia e do Cristianismo, e muito mais o ser sensível capaz de tocar as pessoas em cada gesto ou palavra que produzia; por isso não teve dúvidas em afirmar que Cristo “se localiza ao lado dos poetas”. Para ele, “Mais do que qualquer outra pessoa na história, ele desperta em nós aquela capacidade de nos maravilhar para a qual o romance sempre recorre”.  Sófocles e Shelley seriam companheiros de Cristo. E a vida de Jesus, em seu dizer, “o mais maravilhoso poema”. Isso porque, segundo ele, nem a tragédia grega, com seu espetáculo de piedade e terror, alcançou mais dramaticidade que a vida de Cristo. Da mesma forma, na arte romântica, nunca se viu um personagem com tamanha pureza e elevação.  Avalia que no palco da vida do messias, sua Paixão desperta a “simpatia do pathos”, que nem mesmo Dante, Shakespeare ou Ésquilo, nem o conjunto de lendas e mitos celtas conseguiram concorrer. Na vida do messias judeu, dor e beleza fundiram-se em só um elemento.  Ele é o amante que amou em excesso e fez da submissão e da agonia uma inusitada declaração de amor.
Como o poeta procura o inatingível da expressão, Cristo buscava um bem difícil de alcançar: a alma do homem, essa criatura tão volúvel. O poeta, embora de forma diversa, visa a alma humana também, e Cristo foi um poeta que desempenhou seus versos na própria carne. Não foi visualmente idílica e bela sua manifestação de afeto: foi contundente, sangrenta, arrebatadora. Mas não é isso que se espera da arte? Que provoque, enlace, choque, provoque derramamento?
Concordo com Wilde lembrando uma frase do mestre: “Vende tudo que tens e dá-os aos pobres”. Ora, não é mais ou menos isso que acontece na relação leitor-autor?  O leitor precisa sair de si, para aceitar o pacto de leitura e “viver” momentaneamente cada palavra lida. O autor concebe a obra nas mesmas condições: despe-se do caráter descartável da cultura adquirida, para fazer emergir seu fluxo criativo.

Jesus prescrevia que o homem deveria ampliar as fronteiras de sua individualidade, passando a se importar com o próximo. Wilde explica: “Ele deu ao homem uma personalidade ampla, titânica. Desde tua vinda, a história de cada indivíduo é, ou pode tornar-se, a história do mundo”.  Ora, não existe arte sem pluralidade, sem colocar-se no lugar do outro. Para Wilde, “ a arte fez de nós espíritos miríades”.  

Um artista precisa de muita imaginação. Cristo era um visionário de imaginação sem limites: não via distinção entre pessoas, classe e sexo. Para Oscar Wilde, ele via o ser humano da mesma forma que o panteísta vê Deus.
“Ele foi o primeiro a conceber as raças divididas como uma unidade. Antes do seu tempo, tinha havido deuses e homens. Só ele entendeu, que nas montanhas da vida, só havia Deus e Homem (...)”, ressalta Wilde.

Cristo mudou a relação humana com a divindade. Quebrou a distância dessa relação e lutou contra os preconceitos religiosos de sua época. Comparo isso à postura iconoclasta do artista. Romper as tradições literárias significa, de início, ser incompreendido pelo público, pela crítica e carregar por anos um legado com falsos estereótipos. Cristo fez rupturas de pensamentos e também foi incompreendido por isso. Os judeus esperavam a vinda de um Rei beligerante e altaneiro e se defrontaram com alguém que dizia coisas singelas, como, “olhai os lírios dos campos”. Aliás, não conheço frase mais poética do que essa. Como poeta, Cristo manifestava  sua forte ligação com a natureza, ao mesmo tempo em que afastava de si o dogmatismo farisaico, pois em vez de prescrever áridos roteiros de orações e jejuns aos seguidores, ensinava outro caminho para alcançar a plenitude e o desprendimento: “Olhai os lírios dos campos”.
A psicologia de Cristo é a de um poeta. Ele não queria mudar politicamente o mundo de sua época. Aquele não era o momento. Aceitava o governo dos homens. A literatura, como se sabe, também não toma o espaço das leis, não muda a realidade. Ela se constitui uma forma de responder à sede de entendimento da alma humana e de contemplação do belo. Mas dificilmente muda as estruturas da realidade imediata.

Assim como o artista sonha com a perfeição de sua obra, Cristo sonhava com um mundo e uma humanidade sem imperfeições. Como um artista cego pela maestria de sua criação, estava disposto a alcançar isso mesmo que precisasse oferecer a si mesmo como o sacrifício.
As aproximações de Cristo com o pensamento artístico ou literário não se esgotam por aqui. Cristo não veio como um repressor de condutas, mas um como amante apaixonado capaz de extremos por sua noiva. Foi rejeitado por ela, assim como um eu poético rejeitado pela amada. Sofreu por um amor não correspondido, como um poeta chora em versos por ser desprezado pelo amor de sua vida.  Até sua solidão monumental no Gólgota atesta a postura poética de seu drama.

A verdadeira poesia não escapa de retratar paradoxos, pois a vida humana é repleta de contrastes. A personalidade de Cristo também revela dualismos, pois é um misto de doçura e agressividade.  O mesmo Jesus que pegou ao colo criancinhas, expulsou e chicoteou os vendilhões do templo.
O Filho do Homem não falava para agradar as autoridades, nem mesmo para conquistar amigos. Na vida artística, tentar agradar a gregos e troianos significa abrir mão da autenticidade da obra. As comparações estendem-se à farta. Não é à toa que Oscar Wilde enuncia:

“Vejo uma vinculação bem mais íntima e próxima entre a verdadeira vida de Cristo e a verdadeira vida do artista”. Sim, Wilde, Cristo participou da natureza humana e, da mesma forma, a natureza humana também participa a natureza divina. O homem, com sua natureza tão dividida entre o divino e o animal, ornamenta-se de beleza quando desperta para o há que de sensível dentro de em si, ou segundo os religiosos, quando “conhece a Cristo”.

  
Autoria do texto: Belinha.

quinta-feira, 1 de março de 2012

Ensaio sobre o conto "O enfermeiro", de Machado de Assis

O enfermeiro Procópio conta que teve uma vida cheia de acontecimentos, mas o que mais o marcou deu-se em 1860, quando tornou-se cuidador de um coronel idoso que lheu deu muito trabalho. De bom grado, ele aceita narrar a história para um livro, mas com a condição única que não seja divulgada antes de sua morte, que acredita próxima. Compreende-se a preocupação de Procópio pelo fato de ele narrar em detalhes algo que, se não poderia comprometer sua liberdade, poderia ao menos manchar a boa reputação em que viveu.
O coronel era um osso duro de roer e Procópio não fazia ideia. Quando chega ao novo emprego é que começa a ter notícias do coronel: insuportável, estúrdio, exigente, ninguém o aturava, nem os próprios amigos. Mas era tarde para voltar para casa e, além disso precisava de dinheiro e acreditava em sua capacidade de “amansar a fera”. Até o vigário recomendou mansidão e cautela, o que prova o aspecto temperamental do velho.
A recepção também não foi nada cordial: o coronel pergunta se Procópio é gatuno e faz pilhéria com o nome dele. Mas o enfermeiro mostra-se gentil, prestativo e, por isso, até ganha elogios do coronel perante o vigário. Mas aquela harmonia, que ele chama de lua de mel, só dura sete dias.
O coronel começa a tratá-lo mal e a ocupar-lhe em demasia. Por causa de uma bengalada, ele decide ir embora, mas o velho, esperto, suplica que fique e Procópio deixa-se vencer pelos rogos. Os insultos continuam e Procópio consegue se fazer de indiferente. Não que fosse mártir, ele bem que tentava sair da função, mas o vigário o demovia de ideia porque o velho não tinha parentes no mundo e estava no fim da vida. Procópio confessa que um fermento de ódio latejava-lhe no coração e apenas esperava uma ocasião propícia para voltar à Corte e esquecer o coronel. Antes que ela surgisse, aconteceu um evento que mudou sua história: a morte do coronel. Ele arremessa uma moringa no enfermeiro enquanto este dormia. Num acesso de fúria, Procópio atira-se contra seu ofensor, luta e consegue esganá-lo. Ao perceber o que acabara de fazer, Procópio se assusta com a própria reação: ele matara o homem a quem deveria cuidar. Tanto desvelo, tanta paciência, mas agora tudo em vão: não conseguira aguentar a última provocação violenta do coronel. O que deveria fazer? Ele fica desnorteado. Sua consciência aturdia, macerava. Essa zoeira na mente é mostrada magnificamente nas passagens: Parecia-me que as paredes tinham vultos; escutava uma vozes surdas. Os gritos da vítima, antes da luta e durante a luta, continuavam a repercutir dentro de mim, e o ar, para onde quer que me voltasse, aparecia recortado de convulsões. Não creia que esteja fazendo imagens nem estilo; digo-lhe que eu ouvia distintamente umas vozes que me bradavam: assassino! assassino!
Mas o pungir da consciência foi interrompido por uma preocupação prática e terrível: havia um cadáver em seu poder e teria que explica a todos o que acontecera quando o dia amanhecesse. E agora? Mesmo com receios, Procópio diligencia tudo com cuidado e consegue permanecer insuspeito. O que não consegue é desvencilhar-se da culpa. E por causa dela começa a idealizar o coronel, elogiando-o e rezando missa. Não lhe interessava apenas convencer os homens de sua sinceridade, ao fazer isso, queria convencer a si mesmo. Até receber com susto a notícia de que herdara tudo do coronel. Parecia-lhe hediondo auferir um vintém que fosse do homem que matara. Procópio cogita dar tudo aos pobres, pois caso recusasse, poderia levantar suspeitas. Parecia determinado em seu propósito de benevolência, mas algo acontecia em seu interior. E ele parecia perguntar-se: afinal o que realmente acontecera? Teria realmente culpa no que se passou? Não teria o velho morrido do aneurisma que arrebentara no exato momento da luta? Não iria arrebentar de qualquer maneira naqueles dias? Talvez o momento tivesse apenas coincidido. Assim, a culpa não era dele. O coronel nem viveria muito e padecia de muitas mazelas, a morte até foi uma saída para a vida que levava. Ele racionalizava a situação enquanto convencia-se da própria inocência.  
Sua consciência ganha um presente extra: todos na vila, comentavam sobre a rabugice do coronel e do quanto era insuportável e mau. Procópio ouvia “com prazer” as histórias escabrosas sobre o velho. Eram histórias que não só aliviavam, mas até o redimiam, pois diante daquela personalidade monstruosa, quem aguentaria não esganá-lo?
Os dias foram passando, a ideia de doar tudo aos pobres parecia-lhe “uma afetação”. Procópio salda simbolicamente a dívida com o morto mandando-lhe fazer um túmulo de mármore. O dinheiro que o velho deixara lhe traz um contentamento que suaviza sua vida. Na suavidade dessa nova vida, por que remoer o passado? Assim, ele crê que o dinheiro consola muitos males e solta a frase que encerra seu segredo de vida: “bem-aventurado os que possuem porque serão consolados”.
Nesse conto, Machado de Assis expõe brilhantemente sua capacidade de vasculhar a consciência dos personagens a partir do detalhe. O narrador confessa: Não tive tempo de desviar-me; a moringa bateu-me na face esquerda, e tal foi a dor que não vi mais nada; atirei-me ao doente, pus-lhe as mãos ao pescoço, lutamos, e esganei-o. Mas quer convencer o leitor de que não teve alternativa, fez isso apenas pelo ímpeto da legítima defesa. Mostra-se também arrependido, aceitando qualquer penitência:  E Estaria pronto a apanhar das mãos do coronel, dez, vinte, cem vezes. Mas por outro lado, não se pode esquecer que Procópio já alimentava o que ele chama de “ fermento de ódio e aversão”. Então até que ponto a reação do enfermeiro foi tão impensada como ele assevera? Quanto tempo teria durado essa luta? Por que Procópio não percebeu que estava matando o velho? Se o coronel era de idade e doente, por que para revidá-lo, teve que lutar? E as vozes e vultos que ameaçaram a consciência de Procópio? Atestariam sua dor pela morte do velho ou apenas a culpa pela vazão enorme que dera ao seu ódio? São perguntas que ficam no ar.
Outro aspecto magistral do conto é a reação interna de Procópio: Queria ver no rosto dos outros se desconfiavam; mas não ousava fitar ninguém. Tudo me dava impaciências: os passos de ladrão com que entravam na sala, os cochichos, as cerimônias e as rezas do vigário.  Adentramos na própria consciência do personagem, sabemos que temores o perpassam e cada detalhe que o incomoda. O que para as pessoas em geral é interpretado como a dor que estava sentido, para o leitor é revelado que se trata de insegurança e receio das suspeitas que pudesse levantar.
Mas nada se compara ao processo de racionalização da culpa. Machado mostra como um homem consegue cauterizar a própria a consciência com sucesso. Pequenos atos de bondade, justificavas pessoais, benesses do dinheiro, ação do tempo, tudo isso foi faxinando as lembranças, tornando o passado como algo remoto e sem importância. O conto é ferinamente humano em seus implícitos: tudo consegue o homem superar, apagar, quando lhe convém e o dinheiro vem ajudar.

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

POEMA AS ÁRVORES DA SERRA, DE AUGUSTO DOS ANJOS

A árvore da serra  

— As árvores, meu filho, não têm alma!
E esta árvore me serve de empecilho...
É preciso cortá-la, pois, meu filho,
Para que eu tenha uma velhice calma!

— Meu pai, por que sua ira não se acalma?!
Não vê que em tudo existe o mesmo brilho?!
Deus pôs almas nos cedros... no junquilho...
Esta árvore, meu pai, possui minh'alma! ...

— Disse — e ajoelhou-se, numa rogativa:
«Não mate a árvore, pai, para que eu viva!»
E quando a árvore, olhando a pátria serra,

Caiu aos golpes do machado bronco,
O moço triste se abraçou com o tronco
E nunca mais se levantou da terra!

Análise

Nesse poema, pai e filho discutem a respeito do destino de uma árvore: o pai deseja cortá-la, o filho tenta impedi-lo. Mas vamos por partes: no primeiro verso, ao dizer que as árvores não têm alma, o pai argumenta a favor daquilo que pretende fazer: cortar a árvore. Se árvores não possuem alma, ela não sofrerá. Nada saberá, nem sentirá do que lhe fizer. E sendo ela um empecilho, não haveria motivo para poupar-lhe. Não é dito que espécie de empecilho é esse. Estaria a árvore obstruindo a visão de sua janela? Estaria derrubando folhas em excesso? Atrairia insetos indesejáveis? Nada disso parece ser o caso, pois ela carrega um problema maior: a velhice calma daquele pai depende da eliminação dessa árvore. Se sua velhice tranquila está em jogo, todas essas hipóteses aventadas não justificariam a importância capital de destruí-la. Haveria uma razão maior para destruir a árvore, algo não relacionado aos pequenos inconvenientes que uma árvore normalmente pode apresentar. E o problema encontra-se a tal ponto, que não basta eliminar suas folhas, seus galhos, sua copa, ou eventuais frutos, é preciso arrancar a árvore inteira. Sua velhice, reitere-se, não será tranquila sem isso.
Por outro lado, o filho não enxerga nenhum perigo trazido pela árvore e, portanto, indaga ao pai o porquê de não acalmar sua ira. Ao usar o termo “ira”, percebe-se que o pai não está falando ou agindo calmamente, está tomado de fúria, pois ira é uma reação enérgica, portanto desfaz-se a impressão de uma discussão totalmente pacífica. O filho tenta apaziguá-lo: "não vê que em tudo existe o mesmo brilho?!" O termo "mesmo"dá ideia de que está sendo feita uma comparação. Para o filho, todas as coisas se revestem da mesma importância e possuem a mesma beleza. Ele rejeita a superioridade de um ser a outro. Tanto as coisas humildes, como o junquilho (espécie rústica de capim), como as glamourosas, como o cedro, possuem alma feita por Deus e têm direito de existir. É como se seu pai privilegiasse as coisas mais elevadas, mais orgulhosas, “os cedros” da vida, em detrimento das simplórias. O filho, inconformado e tentando demover o pai de ideia, derrama seu ser: "esta árvore, meu pai, possui minh'alma!" Para ele, a árvore era mais que querida e amada, possuía sua alma. Valia mais que uma joia.
Num ato de desespero, ele se ajoelha, se humilha e lhe suplica que não mate a árvore, no seu dizer, “para que ele viva”. A vida dele depende da vida da árvore. Sem ela, não conseguiria viver. Mas, o pai, indiferente e resoluto, corta a árvore com um machado bronco. O machado é qualificado como bronco para mostrar o quanto aquele ato era brutal e assassino. Quando a árvore caiu, o moço triste se abraçou ao tronco, caindo também. E assim como ela, nunca mais se levantou da terra, pois a ligação com aquela árvore era de um afeto inigualável.
Mas que estranha interferência tem uma árvore na vida de uma pessoa? Só se essa árvore não fosse for simplesmente uma árvore, mas uma alegoria para representar algo. Será? Dizem que árvore era Francisca, uma moça por quem Augusto dos Anjos fora apaixonado. Ela foi descrita como um “junquilho”, pois era apenas filha do vaqueiro da fazenda dos pais de Augusto. Mas a mãe do poeta, de família de estirpe, não aceitava a união dos dois. Pretendia um casamento melhor para seu filho. Casar-lhe com um alguém de sobrenome e sangue de “cedro”. O pai de Augusto era a favor do filho, daí a esperança deste em dirigir-lhe súplicas. No entanto, era um omisso, fazendo tudo que sua esposa desejava, por isso o destino fatídico da “árvore” não foi mudado. Não há pesquisas suficientes para atestar a veracidade biográfica desse caso, embora haja quem diga que na época, todos no recanto paraibano onde Augusto viveu conhecessem a história. Se esse idílio trágico tiver de fato acontecido, o poema envolve-se de uma luz que o torna mais compreensível e dramaticamente mais belo. Entende-se então porque o moço triste nunca mais se levantou: com uma perda tão grande, a morte de sua amada, ele sentia-se realmente morto. Mas se for apenas uma lorota, ela não retira a bela camada psicológica do poema, uma vez que existe uma insólita e intensa ligação entre o moço e a árvore.

Nota: os boatos que dão contam dessa namorada de Augusto e da morte premedita dela fazem parte de um ensaio de Soares Feitosa, publicado no Jornal de Poesia, Ensaio que, recomendo a todos os fãs de Augusto dos Anjos.

Belinha. (autora do blog Estação da Palavra)

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

TRABALHANDO FILMES NA SALA DE AULA: "VERÔNICA"

FILME: VERÔNICA
Duração: 87 minutos
Ano: 2009

Andreia Beltrão faz o papel de Verônica, uma professora de escola pública que, igual a muitas de sua profissão, ganha pouco, sonha em acertar na loteria, enfrenta uma sala de aula lotada de crianças barulhentas e, apesar disso tudo, procura fazer o melhor que pode em seu trabalho. Mora sozinha num quartinho apertado, tem uma mãe doente e enfrenta um processo de separação. Uma vida nada fácil, porém bem previsível, até que um dia um simples favor que ela presta a uma colega de trabalho irá mudar sua rotina para sempre. Ela não imaginava que deixar um de seus alunos na casa dele iria causar tanto rebuliço. A partir desse dia, ela precisaria se esconder dos traficantes para salvar o garotinho que ficara repentinamente órfão e não tinha para onde ir.
O filme traz cenas de bastante tensão como quando Verônica corre com o garoto para tentar se esconder dos bandidos. Traz também momentos de muita ternura, como quando ela decide adotar o menino. O envolvimento dos policiais com o tráfico é a realidade retratada no filme, que também se preocupou em mostrar que ainda existem policiais isentos de corrupção. O filme, no todo, é agradável de se vê não só pela correria de Verônica sob estampidos de tiros, como pelo perfil de mulher estampado __corajosa, guerreira, cheia de caráter e pela tocante mudança nos corações dos personagens (Verônica e seu aluno), que  constroem uma sólida relação de afeto em meio ao drama que vivenciam.     

( Sinopse do filme: Belinha, autora do blog Estaçãodapalavra)

Exemplo de atividades sobre o filme Verônica

I.                   Organização do roteiro:

01.  Relacione às cenas à devida organização dos fatos:
( 1 ) Situação inicial de ausência de conflito.
( 2 ) Cria-se uma expectativa para as personagens.
( 3 ) Quebra da expectativa.
( 4 ) Explode o conflito.
( 5) Busca a solução do conflito.
( 6) Clímax (auge da tensão)
( 7 ) Solução do conflito.

Verônica:
(    ) foge dos traficantes.
(    ) dá aulas e reclama da vida.
(    ) enfrenta seus adversários face a face.
(    ) procura a ajuda de pessoas como o ex-marido, Celma, uma amiga de escola.
(    ) consegue fugir para fora da cidade com a criança com a ajuda do ex-marido.
(    ) ao tentar deixar o garoto em casa, descobre que os pais dele foram assassinados.
(   ) Leandro ganha um pen-drive seus pais são mortos e ninguém aparece para buscá-lo na escola.

II.                Compreensão do filme:

02.  Como Verônica é caracterizada?

03.  Que objeto funciona como o fio condutor da história?

04.  O filme é composto de vários picos de tensão. Cite três momentos desses.

05.   O encadeamento de ações acarreta transformações nos personagens. Que mudança ocorreu nos planos de vida de Verônica?

IV. Interpretação dos dados do filme.

06.  O pai de Leandro previa ser morto. Quais as causas da morte no tráfico de drogas? E como combater o tráfico?

07.  O filme denuncia muitas questões sociais. Cite algumas dessas questões.

08.  A escolha do local nunca é por acaso. Por que a história se passa no RJ?

V. Intertextualidade:

09.  O que chama atenção no filme é seu poder de verossimilhança (de parecer possível a história acontecer). Nesse aspecto, diferencia-se do romantismo, no qual tudo é idealizado. No entanto, Verônica tem algo em comum com as heroínas românticas? O quê?

VI. Produção textual.

10. Escolha uma cena do filme e descreva-a de forma envolvente.

domingo, 29 de janeiro de 2012

DEMOCRATIZANDO O ACESSO À LEITURA

O que fazer com aqueles livros que você já leu e não deseja mais guardar?

Nem sempre é possível doar para uma biblioteca pública. Pelo menos aqui em minha cidade, a Biblioteca Municipal está desativada por conta do velho descaso com a educação. Muita gente pode querer e até precisar de seus livros, mas você não sabe exatamente quem são e onde estão essas pessoas. Uma alternativa é cadastrar-se em um site de trocas de livros. Nele, você não apenas vai ajudar quem precisa, como vai beneficiar-se também, pois poderá solicitar um livro o qual também esteja desejando ter. Muita gente se queixa da falta de qualidade na educação, mas poucos fazem realmente algo para melhorá-la. Sim, você pode contribuir! Não precisa dar aulas particulares, visitar escolas, ser voluntário em nada (mas se quiser, nada contra, vá fundo), basta dar um chega para lá no egoísmo e procurar em sua biblioteca aquilo que você pode desfazer-se sem choramingar. O troca-troca de livros é uma ação inteligente, solidária e ecologicamente correta. Uma dica de site de trocas é o www.livralivro.com.br, mas procurando no google, vai achar outros.

Veja a descrição do site feita pela equipe do mesmo:  

Objetivo
O www.livralivro.com.br é um projeto destinado a fomentar a troca de livros entre a população.
Idealizador
O projeto foi idealizado e é mantido por Samur Araujo, mestre em Web Semântica pela PUC-Rio.
É uma iniciativa independente e gratuita. Nem por isso é menos importante! Se todos fizerem a sua parte, faremos do Brasil um país melhor.
Motivações
O projeto surgiu da necessidade de trocar um livro. Logo imaginei a possibilidade de desenvolver um web site para intermediar troca de livros entre pessoas.
Por atuar na área de desenvolvimento de sistemas para internet e estar cursando mestrado na PUC-Rio na mesma área, não tive dúvida que seria um projeto que poderia atender todas as minhas necessidades: trocar meus livros e aplicar meus conhecimentos adquiridos no mestrado.

Acredito que o projeto permitirá as pessoas terem mais acesso aos livros. Nem todos possuem uma biblioteca a seu alcance, e adquirir um livro novo é oneroso para os mais jovens.

O Livra Livro facilitará a aquisição de um novo livro dado que o único custo envolvido na troca é o custo de postagem nos Correios, que vária de R$ 3,00 à R$ 8,00 (de acordo com o peso) para enviar um livro para todo o Brasil.

Como Funciona?
É simples!
1. Você monta uma lista de livros que possui para trocar e outra dos que gostaria de obter.
2. Quando um usuário solicitar um dos seus livros, você o envia pelo correio.
3. O livro sendo recebido, você ganha 1 ponto para solicitar 1 outro livro.

Cadastre-se e descubra como é fácil trocar um livro.
Equipe LivraLivro.com.br

sábado, 28 de janeiro de 2012

“Entrevista” com Gregório de Matos Guerra, o Boca do Inferno.

Perguntas feitas por Belinha, autora do blog Estação da Palavra. As respostas consistem em versos atribuídos a Gregório de Matos.


Apesar de criticar o clero católico você ainda se confessa. Esclareça.
Gregório: Sempre que vou confessar-me, digo, que deixo o pecado; porém torno ao mau estado, em que é certo o condenar-me.

Acha que vai responder por seus pecados?
Gregório: Pagarei num vivo arder de tormentos repetidos sacrilégios cometidos contra quem me deu o ser.

Desculpe a indiscrição, mas que pecados tão graves o senhor cometeu?
Gregório: Várias juras cometi, missa inteira nunca ouvi, a meus Pais não obedeço; matar alguns apeteço, luxurioso pequei, bens do próximo furtei, falsos levantei às claras, desejei mulheres raras, cousas de outrem cobicei.

Então você considera a religião importante para o homem?
Gregório: Quem da religiosa vida não se namora, e agrada, já tem a alma danada, e a graça de Deus perdida.

O que você acha da Bahia?
Gregório: De dous ff se compõe esta cidade a meu ver um furtar, outro foder.

Mas qual o problema da Bahia? O que lhe falta?
Gregório:
Que falta nesta cidade? ....Verdade.
Que mais por sua desonra ....Honra.
Falta mais que se lhe ponha...Vergonha.

Mas a Bahia é uma cidade muito famosa, exaltada por muita gente....
Gregório: O demo a viver se exponha, por mais que a fama a exalta, numa cidade, onde falta Verdade, Honra, Vergonha.

Espera aí, mas a Bahia não é a única cidade com vícios e problemas...
Gregório: Não há nem pode haver desde o Sul ao Norte frio cidade com mais maldades, nem província com mais vícios.

Imagino que você ama a Bahia, então você sente então tristeza pelo estado em que ela se encontra?
Gregório: Que homem pode haver tão paciente, que vendo o triste estado da Bahia, não chore, não suspire, e não lamente?

Por que você fala mal dos frades?
Gregório: As lidas todas de um Frade são Freiras, Sermões e Putas.

E o poder judiciário? Qual o problema da Justiça?
Gregório: Anda a justiça na praça Bastarda, Vendida, Injusta.

Você também critica os fidalgos.
Gregório: No Brasil a fidalguia no bom sangue nunca está, nem no bom procedimento, pois logo em que pode estar? Consiste em muito dinheiro, e consiste em o guardar, cada um o guarde bem, para ter que gastar mal. Consiste em dá-los a maganos, que o saibam lisonjear, dizendo que é descendente da casa do Vila Real.

E os judeus, os chamados cristãos novos?
Gregório: Quantos com capa cristã professam o judaísmo, mostrando hipocritamente devoção à lei de Cristo!

Ao que parece você também se ressente de sua terra pelo fato de os pseudoletrados serem tratados como doutores, sábios, entendidos e os que de fato têm talento são incompreendidos.
Queimada veja eu a terra, onde o torpe idiotismo chama aos entendidos néscios, aos néscios chama entendidos.

Como vê a relação entre os brasileiros e os portugueses?
Gregório: Os brasileiros são bestas, e estarão a trabalhar toda a vida por manter maganos de Portugal.

Você acredita que o ser humano é mau?
Gregório: Todos somos ruins, todos perversos, só nos distingue o vício, e a virtude, de que uns são comensais, outros adversos.

E os piores são os que conseguem ficar mais ricos?
Gregório: Neste mundo é mais rico, o que mais rapa.

Mas há pessoas que não andam falando mal das outras...
Gregório: Quantos há, que os telhados têm vidrosos, e deixam de atirar sua pedrada de sua mesma telha receosos.

Também não é assim, eu, por exemplo, sou uma pessoa ilibada.
Gregório: Quem mais limpo se faz tem mais carepa.

Dizem que você desdenha até do nariz do governador Câmara Coutinho.
Gregório: Nariz de embono com tal sacada que entra na escada duas horas primeiro que seu dono.

Os calundus e os feitiços fazem parte da cultura negra. Você acha que devem ser valorizados?
O que sei, é que em tais danças Satanás anda metido.

Então você pretende continuar usando sua poesia para satirizar a tudo e a todos?
Gregório: Se souberas falar, também falaras, também satirizaras, se souberas, e se foras Poeta, poetizaras.

Você não tem medo de fazer sátiras a tanta gente?
Verdades direi como água,
porque todos entendais
os ladinos, e os boçais
a Musa preguejadora. Entendeis-me agora?

E para finalizar, quem é Gregório de Matos Guerra?
Gregório: Eu sou aquele, que os passados anos cantei na minha lira maldizente torpezas do Brasil, vícios, e enganos.